QUANDO EU PENSO NO MEU PAI, resgato memórias de uma infância ao ar livre. Na verdade, minha família inteira – eu, meus pais e meus dois irmãos – prefere ir à praia ou à montanha do que passear no shopping. Nossas férias sempre foram próximas à natureza.
Essas viagens são algumas das melhores lembranças que eu tenho do meu pai enquanto crescia. Desde pequeno, ainda nos anos 1980, costumávamos ir para [a praia de] Paúba, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. Passávamos temporadas lá, onde o esporte era o caiaque. Remávamos por puro lazer, nunca por performance. Como era agradável deslizar naquele mar paradinho de verão. Também fazíamos mergulhos de snorkel. Nosso lazer era explorar o outdoor. São essas as minhas memórias de férias de verão com os meus pais: estar na praia e na água, subir em árvore, escalar montanha… Não tínhamos videogame. Em Paúba, a gente subia um morro apenas para curtir o trajeto, a vista mudando conforme chegávamos cada vez mais alto, até pisarmos no cume. Nosso esporte era brincar com os elementos, ver o pôr do sol.
Mas meu pai também me incentivou nos esportes habituais. Por eu morar em São Paulo, sempre andei de skate. Ganhei um skate quando fiz oito anos e até hoje eu curto andar. Nunca fui um grande skatista, mas meu pai, claro, me apoiava: ia comigo nas pistinhas, fazia o papel dele de pai.
A escalada é outro esporte que eu pratico e que tem muito a ver com o fato de eu ter crescido ao ar livre. É ela que me leva ao outdoor. É quase que uma desculpa para eu explorar, até porque a minha escalada é muito menos de performance. Eu faço escalada tradicional, que é subir a montanha levando todas as coisas. Em uma escalada longa, você faz uma travessia, explora mesmo a montanha. Isso tem tudo a ver com o fato de eu ter crescido brincando sobre as pedras ou dentro d’água. Para mim, a escalada é esse retorno à natureza, desde que fui apresentado ao mundo outdoor pelos meus pais.
Apesar de trabalhar muito, meu pai sempre foi um cara muito presente. Ele podia não estar todas as horas com a gente, mas nos momentos em que estava, era 100% nosso. Eu quero também proporcionar isso a minha filha, que tem 3 anos. Desde que ela nasceu, já tive que ficar muito tempo fora, ir a vários lugares, mas eu sempre penso nisso, e quero estar presente o máximo que eu puder.
Quando estou com ela na natureza, também estou 100% ali. Desligo até o celular, porque acho importante eliminar essas distrações eletrônicas, uma coisa que eu aprendi com os meus pais. Por estarmos sempre brincando, correndo, andando de bicicleta, de patinete, quase não vemos TV também. Em alguns finais de semana, eu ainda me programo para estender uns dias e ir a lugares próximos à natureza, onde ela possa andar descalça e viver um pouco da infância que eu tive.
Lembro que meu pai também gostava muito de pescar. Ele saía às 5 horas da manhã, e muitas vezes eu ia junto. Eu curtia o astral, de estar ao ar livre, de assar um peixe fresco na brasa, de acampar.
De pescar, de fato, eu não gostava. Então eu ficava só zoando, jogando pedra na água, atrapalhando a pescaria do meu pai e dos amigos dele. Era um comportamento, no entanto, bem diferente do que quando ele me levava para o trabalho dele.
Durante mais de 40 anos, meu pai trabalhou na parte de operação e produção da TV Globo. Já viajou muito para fazer Copas do Mundo, Olimpíadas e outros eventos esportivos importantes. Dessa forma, ele sempre teve uma ligação com as câmeras. Apesar de não ser fotógrafo, de não operar câmeras, sabe tudo de equipamentos de transmissão, da parte de operação técnica de TV. Essa é a vida dele. Eu me lembro de que era criança e, em alguns finais de semana, quando ele tinha que trabalhar, me levava junto. Eu via todos aqueles equipamentos, tripés, câmeras, a sala de edição, um monte de computadores, fitas, e ficava fascinado. Os caras editando dentro daquelas salas escuras, no ar-condicionado, montando os programas que iriam ao ar.
Carrego muito desse universo, apesar de o meu pai ser um engenheiro, o profissional que faz as coisas funcionarem, e eu estar mais do lado artístico. Somos muito diferentes nesse ponto, o que nos leva a ter debates interessantes. Mesmo assim, consigo enxergar uma similaridade nisso tudo.
Em algum ponto, nossas diferenças se encontram, e meu pai sempre gostou de me ver seguir pelo caminho da fotografia. É um grande incentivador do meu trabalho. Tanto que hoje, nós estamos ligados graças ao meu trabalho.
Quando a minha filha nasceu, desativei o meu estúdio e fiz home office no apartamento onde moro com ela e a minha esposa, justamente para poder estar mais presente. Recentemente, quando eu estava procurando um espaço para montar novamente um estúdio, meu pai me sugeriu, “Por que você não faz seu estúdio aqui em casa? ”. Meus pais são casados até hoje, mas a minha mãe está morando em Bauru (SP), e por isso a casa está mais vazia.
Enfim, respondi que teria que dominar toda a parte térrea da casa, e que, dessa forma, eles perderiam a sala. Liguei para a minha mãe, e ela também apoiou a ideia, dizendo que eu poderia fazer o que achasse melhor.
Conclusão: reformei metade da casa para fazer o meu estúdio, que está super bem montado, é completo. Tirei a escada que ficava no meio da sala e abri um salão grande. Quem mora ali hoje, ocupando apenas a parte de cima, é o meu pai. Minha mãe passa pouco tempo em São Paulo, vem somente algumas vezes durante o mês. Portanto, é muito bacana a relação que eu tenho hoje com ele. Eu o vejo praticamente todos os dias, é um universo muito familiar para a gente: um estúdio, uma vida agitada, os trabalhos acontecendo ali. Ele entende muito disso, pois já montou e frequentou muitos estúdios também – não de foto, mas de vídeo.
Depois de eu ter morado por quatro anos fora do Brasil (em Londres e Nova York), de ter tido alguns estúdios em São Paulo, de ter feito uma família, de repente hoje, aos 40 anos, me vejo novamente muito próximo ao meu pai. Apesar de nunca termos nos distanciado, de fato, esta foi uma reaproximação muito gratificante para nós dois. Sem contar que ainda viajamos todos juntos – eu, meus irmãos, meu pai e minha mãe –, como uma família, mesmo, só que, agora, também com a minha filha e a minha esposa.
As viagens em família ainda me ensinam muito. Desacelerar e saber apreciar as coisas simples da natureza. É um costume que ainda carrego comigo e que faço questão de passar à minha filha.
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(Depoimento dado a Mario Mele)