Por Mario Mele | Imagens Arquivo Pessoal
Há exatamente um ano, o escalador brasileiro Cesar Grosso anunciava sua aposentadoria das competições. Então com 36 anos, ele tinha acabado de disputar até o último minuto uma vaga olímpica— conquista que, infelizmente, não veio.
A escalada é um dos esportes debutantes no maior evento esportivo mundial. E em 2020, quando a Olimpíada de Tóquio foi cancelada por conta da pandemia, todas as 20 vagas destinadas a essa modalidade já estavam preenchidas, sem brasileiro. É que, ao contrário de esportes como o surf e o skate, que agora também são olímpicos, a escalada apenas “engatinha” no Brasil.
Portanto, é natural que fosse uma tarefa heróica algum escalador brasileiro conseguir o passaporte olímpico. É algo que só aconteceria se ficasse entre os seis primeiros no Campeonato Mundial de Escalada, entre os sete na Copa do Mundo de Escalada, ou ainda vencendo o Campeonato Pan Americano. Cesar, que já foi vice-campeão Pan Americano em 2010, conseguiu apenas a sétima colocação — os norte-americanos dominaram o pódio dessa última vez. “Mas não foi frustrante, sabia que seria difícil e, por isso, valeu a pena ter treinado muito e lutado até o fim”, garante Cesar.
Hoje, além de se dedicar a projetos na rocha, o brasileiro está focado em um novo desafio: fomentar o seu esporte no Brasil através do Instituto Pro Climb, uma ONG fundada recentemente por ele em parceria com a esposa, a também escaladora (amadora) Tatiana Caloi. “É uma ideia que foi amadurecendo até, de fato, acontecer”, explica Cesar. “Pensamos, ‘Como ainda não existe uma estrutura para os atletas de elite no Brasil’? — a Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE) tem apenas quatro anos. Sem contar que não temos escaladores de base, atletas que estão prestes a virar profissionais, como acontece no futebol, por exemplo.”
Mais do que já ter se esforçado para estar em uma olimpíada, Cesar quer ver a evolução da escalada competitiva no Brasil. Desde 2013 morando em Arco, na Itália, ele está de malas prontas para voltar definitivamente ao Brasil, ainda neste ano, e focar na nova missão.
A seguir, ele dá detalhes de como o Instituto Pro Climb já está trabalhando para mudar a realidade da escalada no Brasil.
Na Europa, todos os grandes nomes da escalada, sem exceção, começaram muito jovens. E, para cada campeão — seja ele austríaco, italiano ou esloveno — há outras mil crianças de cada nacionalidade escalando. Então, é simplesmente uma questão de amostragem. No Brasil, se há cem crianças escalando, uma pode se tornar escalador profissional e, talvez, subir no pódio em um Campeonato Continental –no máximo. Agora, 1% de 10.000 já é uma chance bem maior. Sem falar na estrutura, mas aí é mais uma questão econômica. Nossa ideia, portanto, partiu disso: “Como podemos ter mais crianças escalando?”.
A escalada contribui com os valores morais de uma pessoa, desde o companheirismo (você tem a responsabilidade sobre a vida do teu parceiro, que está na outra ponta da corda), até a questão ambiental (você escala na rocha, no meio da natureza, e, portanto, vai querer preservá-la). Também tem a questão do comprometimento, da disciplina. São valores que você leva para a vida toda. Fora a questão das habilidades: a escalada ajuda no equilíbrio físico e emocional, desenvolve noção de estratégia, melhora a coordenação… São muitos os benefícios trazidos por esse esporte. Por isso, achamos importante usar a escalada como ferramenta social, principalmente, ajudando crianças carentes.
É interessante ver como as crianças que moram em comunidades mais pobres costumam ter um repertório físico-motor muito maior do que a molecada do “condomínio”. Elas geralmente vivem mais soltas, crescem descalças na rua, sobem em árvores, pulam muros… A longo prazo, a gente acredita, sim, que talentos da escalada surgirão desses lugares mais carentes. Acho, inclusive, que as chances de você descobrir um novo talento em uma comunidade são muito maiores. Queremos popularizar a escalada no Brasil, e novos atletas vão surgir graças ao Pro Climb Brasil.
Recentemente, estive no Brasil e visitei uma comunidade na Vila Santo Estefano, na zona sul de São Paulo, guiado por um líder comunitário. Vi um menino sem camisa, descalço na praça, com o olhar sofrido… E me disseram que, apesar de todas as dificuldades familiares, ele manda bem em vários esportes — inclusive na ‘escalada’, como eu pude comprovar. Ao perceber que estávamos falando dele, ele correu em direção a uma árvore e a escalou com uma agilidade impressionante, parecendo um gato. Na hora, deu vontade de colocá-lo no carro e levá-lo para um ginásio de escalada. Tenho certeza de que esse garoto é um talento em potencial. E obviamente que ele não é um caso isolado.
Por conta da pandemia, a criação do Instituto Pro Climb foi um pouco mais demorada do que o normal. Desenhamos um projeto piloto em que vamos montar um muro de escalada naquela comunidade da Vila Santo Estefano. Faremos uma parceria com a ONG Novos Herdeiros Humanísticos, que tem uma sede e desenvolve trabalhos sociais por ali. Queremos ministrar aulas semanais com diferentes grupos de meninos e meninas, entre 8 e 16 anos, divididas por faixa etária. O projeto se baseia na Lei de Incentivo ao Esporte, e já foi aprovado. Agora estamos em fase de captação, batendo na porta de empresas para divulgar a nossa iniciativa e conseguir patrocínio. Qualquer empresa ou pessoa física, na verdade, pode doar de 1 a 6% do seu imposto de renda para o projeto. Portanto, não pagam nada mais por esse apoio.
Queremos levar muros de escalada para o maior número possível de comunidades no Brasil. Dessa forma, quem sabe, veremos em breve alguma transformação social na realidade de crianças e jovens. E mais para frente, consequentemente, podemos descobrir novos talentos. Imagino muito isso: um atleta que apoiamos, orientamos e ensinamos a escalar e os valores desse esporte, fazendo a final de uma Copa do Mundo ou de um Mundial de escalada — um patamar em que nenhum escalador sul-americano conseguiu chegar até hoje. Isso seria incrível, e eu acredito realmente que seja possível.