Por Mario Mele | Imagens Victor Affaro
A casa em que Marcelo Delduque mora com a esposa e os filhos, na Fazenda Serrinha, foi a “casa do leiteiro” até meados dos anos 1990, quando a pecuária e a olaria eram as principais atividades nesta propriedade. A construção ainda mantém algumas paredes originais, com tijolos aparentes, como parte do projeto que a transformou em seu lar. Mas a parede para a qual ele aponta primeiro é uma rebocada, pintada de branco. Porque é onde está pendurada uma ilustração elucidativa sobre regeneração de um ecossistema terrestre.
“Se uma área degradada for deixada de lado, esquecida, sem nenhum tipo de interferência, em alguns anos ela voltará a ser floresta”, explica com a ajuda do desenho, que mostra a recuperação gradativa de ambas as maneiras: com e sem a interferência humana.
Em linhas gerais, o trabalho que Marcelo desenvolve na Serrinha é para mostrar que o ser humano pode, sim, ajudar a acelerar o processo de restauração de áreas devastadas. E mais: tornar esses lugares fontes de alimentos 100% saudáveis.
Localizada na zona rural de Bragança Paulista (SP), a Fazenda Serrinha foi fundada em 1899 pelo seu bisavô, Benedicto Moreira, um político abolicionista daquela região que comprou vários sítios vizinhos, juntou-os e formou uma fazenda cafeeira de 120 hectares. O negócio durou meio século, quando crises econômicas, geadas e o empobrecimento do solo fizeram com que a atividade fosse extinta. Depois disso, a Serrinha foi tomada por criação de gado e plantação de eucalipto, colaborando ainda mais com a deterioração do solo.
Nos anos 1980, com os pais de Marcelo já no comando da fazenda, a atividade principal passou a ser a produção de tijolos. Boa parte da terra tinha sido arrendada a uma olaria, o que só potencializou os impactos ambientais. “Uma olaria é uma espécie de mineração”, explica Marcelo. “É uma atividade que retira a cobertura do solo, acelera os processos erosivos e deprecia o ar.”
Em 1997, uma importante área de nascentes da Serrinha já havia sido transformada em uma enorme cratera de lama. Foi quando Marcelo e o irmão, Fabio, ambos com vinte e poucos anos, inconformados com aquela situação, pressionaram a família para que retomasse o controle daquela fazenda onde eles tinham passado a infância.
Como únicos herdeiros, eles queriam ver a Serrinha em seus aspectos mais naturais possíveis, revivendo sua flora e fauna e fazendo seus rios fluírem novamente.
Marcelo, que naquela época estudava jornalismo e era estagiário na revista Globo Rural, sugeriu uma reportagem com o suíço Ernst Götsch, criador do conceito de agricultura sintrópica. Götsch já morava no sul da Bahia, onde aplicava interessantes modelos agroflorestais. Como diz Marcelo, a sugestão de pauta foi apenas uma “desculpa” para ele conhecer de perto o trabalho do franco-brasileiro e absorver seus conhecimentos, pois posteriormente teria um extenso campo para colocá-los em prática.
A matéria foi publicada com o título “Maestro das matas”. Mostrava como Götsch, aplicando seu método de agricultura sustentável, conseguia fazer com que as plantas e o solo convivessem em total harmonia, como instrumentos de uma orquestra.
“A CONEXÃO COM A NATUREZA que falta ao ser humano não é ver o pôr do sol, mas sim pôr a mão na terra”, diz Marcelo, enquanto colhe cenouras na horta orgânica em frente à sua casa, na Serrinha.
Ele acha que a pandemia de Covid-19 acentuou os sintomas do “descaminho” nas pessoas. Quem antes já pensava em sair da cidade grande, desde 2020 vem colocando isso em prática. Temos redescoberto um jeito de “olhar para fora” novamente, sob o prisma da natureza. É justamente essa experiência que a Serrinha proporciona aos seus visitantes.
Com um programa contínuo de voluntários temporários, a fazenda oferece hospedagem e conhecimento em troca de trabalho. “É um lugar de autonomia”, explica Marcelo. “Recebemos todos com amor, mas respeitamos o senso de igualdade: aqui, CEO também lava a louça, arruma a cama, apaga a luz… Todas as tarefas são compartilhadas. ” O que, em tese, é básico, acaba virando um diferencial.
No “quintal”, mais importante do que aprender que um margaridão e uma bananeira podem ser plantas de serviço, ou que o ciclo de produção da rúcula gira em torno de 30 dias, é a pessoa criar bioempatia: entender, respeitar e lidar com os processos naturais.
A fazenda serve apenas como laboratório. Nada que impeça, no entanto, que algum voluntário cultive a ideia de se tornar um agricultor orgânico no futuro, e passe a viver disso.
“Eu também sou um pouco aprendiz”, diz Marcelo, que todas as manhãs “põe a mão na terra”. Ele faz o caminho inverso da maioria dos moradores da cidade, que mesmo querendo estarem próximos à natureza, ligam seus computadores logo cedo.
“A primeira coisa que nossos visitantes perguntam é ‘se a internet aqui é estável’”, diz.
Bem diferente do que devem pensar seus colegas de faculdade, Marcelo não é um alienado do mundo virtual. Inclusive, costuma tirar o início da tarde para resolver assuntos burocráticos no computador.
Apesar de a tecnologia já ter chegado à roça, o desafio hoje é impedir, ou pelo menos tentar retardar, a urbanização maciça do campo. Este é um fenômeno irrefreável e que, obviamente, não está restrito aos arredores da Serrinha, um autêntico ambiente rural a apenas 100 km de São Paulo.
Quase todo fim de semana, Marcelo vai à capital ficar com o filho primogênito, que mora lá. Na volta, enfrentar a rodovia Fernão Dias, no trajeto entre São Paulo e Bragança Paulista, “é uma espécie de exercício de desapego”, como ele diz. “Aquela paisagem familiar, que por tanto tempo representou a agradável transição cidade-natureza, se urbaniza em ritmo cada vez mais acelerado. ”
E deixa marcas. A Serrinha, por exemplo, é vizinha do reservatório Jaguari-Jacareí, a maior represa do Sistema Cantareira, construída no final da década de 1970 para abastecer milhões de moradores da região metropolitana. Se, naquela época, sua presença artificial já era impactante, hoje os períodos de estiagem expõem marcas em suas bordas sinalizando o nível baixo de água como uma ferida da seca, que vai e volta. Também são vestígios do crescimento populacional, da urbanização chegando ao campo, com a Serrinha exatamente na zona de intersecção.
“Tudo o que não queremos é ser engolidos pela cidade”, diz Marcelo. Segundo ele, isso aconteceria caso fossem uma “célula fechada”, olhando apenas para seus próprios eventos e atividades. “Se um dia eu precisar murar ou fazer cercas altas, esse projeto deixa de fazer sentido para mim”, garante.
Além de receber voluntários, a Serrinha tem parte de seu terreno destinado a uma ecovila, que já conta com algumas casas construídas e outras em construção. Ecovilas são comunidades que garantem o baixo impacto ecológico através de práticas sustentáveis, tanto nos projetos como na produção de alimentos (que é local e orgânica). É um modelo que caiu como uma luva na Serrinha, ajudando inclusive no processo regenerativo da fazenda, que hoje está em torno de 80%.
Fora de seus limites, a Serrinha interage com a comunidade local. Traz escolas da região para que seus alunos conheçam o processo de restauração florestal e doa o excedente da produção a comunidades vizinhas. “Se fôssemos apenas um fragmento, estaríamos fadados a definhar, como um povoado isolado em uma ilha”, compara Marcelo.
A Serrinha ainda encoraja outras propriedades a investirem em processos de restauração florestal, algo que já vem dando resultados.
A intenção é gerar consciência e ir se conectando a outros fragmentos que, no futuro, formarão um grande corredor de conexão florestal.
DESASSOREAR RIOS – que na verdade ainda são pequenos cursos d’água – é outra atividade levada com empenho. Além do cultivo de hortas orgânicas e das podas de árvores, os voluntários da Serrinha trabalham para ressuscitar oito córregos que nascem dentro da fazenda e que, teoricamente, verteriam água para os rios Atibaia e Jaguari, responsáveis pelo abastecimento de diversas cidades do interior de São Paulo, como Atibaia, Jundiaí e Campinas.
Essas águas, que antigamente se perdiam no lamaçal gerado pela olaria, hoje estão acumuladas no fundo de um vale.
Calçando galochas, Marcelo e seus “hóspedes” então chafurdam o pé no brejo e fincam suas enxadas para dar vazão à água parada, ajudando esses cursos d’água a encontrarem seus caminhos originais novamente. Por si só, este já é um serviço humanitário, pois colabora com que, pelo menos, um pouco mais de água chegue a milhões de pessoas, moradores do interior paulista.
“É um trabalho que tem que ser manual, porque só assim você descobre onde estão essas nascentes e entende todo o processo”, explica Marcelo.
Não é de hoje que, por uma questão de escala de produção, o maquinário utilizado na agricultura moderna vem ganhando cada vez mais espaço perante as ferramentas manuais. Mas, como bem disse o naturalista norte-americano Joseph Wood Krutch (1893-1970), “O equilíbrio da natureza é o mais extraordinário de todos os sistemas cibernéticos. Abandonado por conta própria, ele é sempre autorregulado.”
“Quando você planta uma floresta, você também está produzindo água”, exemplifica Marcelo.
Seu método agroflorestal é 100% manual porque ele acredita que a verdadeira transformação está nas pequenas coisas do dia a dia.
Tanto que Marcelo não curte a expressão “trabalho braçal”. Isso seria como reduzir o humano a um robô, utilizando a força apenas para cumprir uma tarefa, mas sem abrir espaço para ele imprimir algum talento.
E, apesar de ser uma tarefa pesada, o trabalho manual – e não braçal – no campo pode ser tão criativo quanto a arte. Como ser integrante da natureza, o humano é um agente fundamental na sua recuperação. Inclusive, quebra-se o paradigma de que parques nacionais e outras reservas ambientais devam permanecer fechados por motivos de preservação.
NA SERRINHA, TUDO começou com a observação. “Como seria possível interagir e fazer parte da natureza positivamente? ” De maneira experimental, sem técnica e sem ciência, mas com muita intuição e vontade de mudar, aos poucos eles encontraram os parceiros certos e entenderam a importância das vivências que promovem hoje.
Produzir alimentos sem adubos químicos e elaborar lindos projetos paisagísticos (dentro e fora da fazenda) são verdadeiros processos artísticos. Basta pensarmos que a interpretação sensível do ambiente que nos cerca também é arte. E a Serrinha só existe por amor à arte. É um ofício que sempre permeou todo esse laboratório florestal descrito até aqui. Desde 2001, acontece ali o Festival Arte Serrinha, que tem como curador o artista plástico Fabio Delduque, o irmão de Marcelo, que também mora na Serrinha.
A proposta é fazer com que a arte interaja com a natureza. Todo ano, portanto, alguns artistas são desafiados a criar obras no meio da paisagem da fazenda, trabalhos que, de alguma forma, consigam dialogar com o processo de regeneração da terra. Como legado, há intervenções de artistas renomados – como Bijari, Eduardo Srur, Bené Fonteles e José Roberto Aguilar, entre outros – espalhadas pela paisagem da Serrinha, que podem ser vistas em qualquer época do ano (sem pandemia, claro).
Assim como a arte, a ecologia também pode caminhar na vanguarda. Em 2021, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) – principal autoridade ambiental global – definiu a restauração florestal como o grande desafio ambiental para a próxima década.
É incrível pensar que esta é uma missão que a Fazenda Serrinha encara, efetivamente, há mais de 10 anos. Algo que só foi possível por fazerem da natureza um trabalho. Mas Marcelo não quer que a Serrinha vire uma obsessão.
Sentado na varanda de sua casa, enquanto calça seu On Cloudventure, ele elogia o sistema de amortecimento CloudTec, o mesmo que já tinha experimentado e aprovado na bota On Cloudrock.
“Esta bota consegue ser, ao mesmo tempo, leve e parruda, com excelente amortecimento”, diz. “Da mesma forma o tênis, que é perfeito para correr e andar, inclusive em pisos irregulares – é muito bem estruturado e não escorrega de jeito nenhum.”
A Jaqueta Solo Microfleece II dá o conforto necessário para quando a temperatura cai na Serrinha. “Tem uma leveza incrível”, pontua Marcelo.
“Corro para esfriar a cabeça, dar uma espairecida, chegar aos lugares mais distantes da fazenda”, enumera.
Não deixa de ser também uma oportunidade de olhar tudo por um outro ângulo: admirar a beleza do sol se pondo do alto da Serrinha e admitir que aquilo, por mais simples pareça, também é uma forma de interação com a mãe natureza. Um cenário que o leva a não pensar em nada e relaxar por alguns instantes.
Marcelo usa também, a camiseta Merino, bermuda Endurance, camiseta Íon UV, meia Cotton da marca Solo.
Afinal, no dia seguinte, os trabalhos na agrofloresta começam logo cedo.
Nota: Este texto faz parte da série “Pessoas que Usam”, uma parceria entre as marcas Solo e On para apresentar pessoas ligadas ao universo outdoor que se destacam através de ideias e iniciativas de efeito relevante. As opiniões expressas aqui não refletem, necessariamente, o ponto de vista ou o posicionamento dessas marcas.
Lei também:
Alessandra Lugio – Seu trabalho e sua vida pel defesa dos animais